#VemdeSolo – um convite pra refletir, por Vébis Jr.

por Vébis Junior

Han Solo está prestes a estrear no cinema em seu filme próprio, e o que temos no universo dos fãs de Star Wars são muitas pessoas que não compreenderam algumas medidas da Lucasfilm e acabam acusando a detentora de direitos e distribuição, a major Disney. Portanto, por mais que procuremos desviar do assunto delicado, todo tipo de texto, argumentação e articulação em torno desses filmes antológicos só farão sentido se lembrarmos que a Lucasfilm ainda é dona de todo processo criativo e rumos que a franquia poderá tomar, e o nome que muitas vezes tem sido incompreendido, a Disney, apenas cuidará da distribuição.
 
Uma vez situado o ponto de partida, vamos lembrar do Star Wars de 1977. Qual seria nossa reação ao analisarmos a figura enigmática e odiavelmente apaixonante do contrabandista Han Solo? Me lembro até hoje de como seu traje, entre os dos heróis, era o mais chamativo. Aquele cinto com uma blaster pendurada na lateral me remetia a todos os filmes de bang bang que eu tinha assistido (ou pelo menos tentado assistir, na infância era tudo igual) junto do meu pai. Meu pai já fazia conexão direta aos objetivos de Lucas em referenciar seus filmes e diretores de cabeceira. Lá estavam os pistoleiros dos filmes de John Ford, de Howard Hawks e até os Spaghetti Western de Sergio Leone (quem não conhece estes diretores e seus respectivos filmes, façam um mergulho nessas obras).
 
O malandrão chega numa cantina, panca de folgado, a única roupa legal, calça preta com lista lateral e um colete, destoando do excesso de branco kimono de Luke ou manto religioso carcomido nas beiradas de Obi Wan, e claro, o mais legal de tudo, ele tinha um bicho de estimação que era bípede e peludo e que entendia tudo o que o “patrão” falava. Seria muito difícil não se apegar àquela figura repleta de dualidade que me deixou na dúvida se seria um mocinho ou um bandido, que por horas se mostra incrédulo com a Força e chega até a abandonar os amigos na hora mais crítica.
 
Aliás, eis aqui um ato que creio que fez muitos terem um avanço a gostar deste adorável canalha: ele abandona os amigos, mas chega na hora mais crucial da aventura, e salva o herói do vilão principal a ponto de ganhar uma medalha.
 
Quarenta e um anos depois, pode-se dizer que passou muito tempo e a história e seu personagem parecem não ter envelhecido, mas a nova maneira de encarar a franquia, vista por Kathleen Kennedy, tem como um dos objetivos o aproveitamento e a experimentação em projetos menos ambiciosos (mas de gigantesca dimensão) com essas antologias. Kennedy, produtora experiente presidente da Lucasfilm, tem mudado o rumo da saga, ampliado o leque de fãs e trazido pra dentro das histórias questões atrativas ao mundo atual. Ela sabia que os filmes numerais tinham uma missão de trocar o bastão de protagonistas, e que infelizmente essa hora chegou. Não para os personagens, mas para quem os encarna.
 
A produtora também sabia que ao introduzir o novo num universo de pessoas antigas presas por um grande apelo afetivo, poderia causar uma rejeição no caminho da franquia, principalmente nos filmes de grandes investimentos, os filmes numerais. A saída pra que isso não acontecesse ficou ao cargo dessas antologias, obras que remetem ao passado da saga, filmes de low budget e com grande poder de alcance, que podem mostrar aos novos fãs como era a lei no passado enquanto estes compreendem a nova doutrina da Força que sabemos. Se não se modernizar na mensagem, perde-se o timing.
 
 Rogue One: Uma história de Star Wars, que acompanhamos e já foi dissecado em todos os espaços de fãs de Star Wars, com sensações semelhantes a uma montanha russa:
 
Primeiro anunciaram na Star Wars Celebration a produção desses filmes fora de trilogias. O primeiro seria um filme de guerra mesmo, honrando o nome da saga, e apenas com soldados. Alguns fãs reclamaram, desconfiados de como poderiam criar um filme de Star Wars sem jedi. Mal imaginavam que seríamos presenteados com um personagem carismático como Chirrut Imwe, que praticamente preenche essa lacuna. Depois soubemos que o filme seria sobre os bandidos que roubaram os planos da fraqueza da Estrela da Morte. Mais rebuliço nos debates da saga, pois sabíamos que quem quer que fosse os assaltantes, não seria um filme com um final bem positivo. Então, o grande susto: o filme teria que ser regravado em pelo menos 40% pois o que tinha sido rodado até então não agradava aos punhos de ferro de Kennedy. Por último, anuncia-se que o lorde negro, galinha dos ovos de ouro da saga, apareceria no final do filme de forma estupenda.
O saldo final de Rogue One foi bem positivo. Ao que o filme sofreu e seu resultado final, pode-se dizer que mesmo em meio aos problemas, o tiro foi certeiro. Trunfo este que devemos creditar ao roteirista Tony Gilroy, que chegou exatamente no momento em que precisava-se refazer 40% do filme, e mesmo sem entender nada de Star Wars, pelo menos entende muito (muito mesmo) de cinema e conseguiu pôr ordem no material que Gareth Edwards deixou e iria ser utilizado, e tornou a dúvida de um filme numa certeza de sucesso.
 
Chegamos ao segundo produto antológico. Han Solo. 41 anos depois.
 
A recepção dos fãs não seria diferente do que lemos por aí. De princípio a rejeição da escolha desse spin off específico, o que me realmente espantou, pois a recepção ao herói canalha Solo era muito maior no meu tempo do que nos tempos atuais. Talvez o imaginário do fã de Star Wars sempre vá cobrar um personagem imbuído de misticismo como um usuário da Força. Talvez os espectadores não tenham notado que a jornada do herói também acompanha o personagem de Han Solo em mesmas dosagens que o personagem de Luke, e digo mais, com mais paixões envolvidas. Mas não tem o que fazer para reverter o quadro. O filme está aí prestes a estrear e por mais que o fã ainda não tenha compreendido o lado experimental que a que a Lucasfilm tem se submetido, muitos disseram que não era o filme que queriam ver. Muitos julgam o filme desnecessário. Porém, quem lança as cartas para experimento, mesmo na recusa do fã, é justamente essa nova maneira de se pensar e se fazer Star Wars. A novidade, o diferente, o não esperado sempre assustaram a todos que viviam dentro de uma zona de conforto ou previsibilidade como era nas mãos do antigo criador, George Lucas.
 
Mas o que peço aqui é uma recuada no espírito da rebeldia,  que analisemos em que ponto os fãs de Star Wars se encontram no momento.
 
O fã atual, que veio de antigas paixões, está ferido com o desapego proposto. O episódio 8 teve uma carga muito grande da despedida do passado, abrindo o viés para um novo Star Wars, da era Disney/Lucasfilm, com tudo que tem direito aos dias atuais pelo contexto e conhecimento de causa dos filmes. A família Solo, que iniciara o episódio 7 separada e com um filho debandado nas mãos de perigosos vilões manipuladores, os detentores da Força atualmente, são muito mais pessoas espalhadas do que uma dádiva familiar, basta estar aberto às mudanças, de que as mulheres atuais já eram vistas de forma visionária com a figura corajosa e desbravadora de Leia. São tantas mudanças pra se assimilar, que o público está naturalmente arredio e desconfiado.
 
Talvez isso tenha tornado nosso público de fãs distantes da proposta do filme de Han Solo, e o ato impulsivo resultante disso fez com que mais da metade não tenha sequer lido de onde surgiu a ideia do filme. Vale lembrar que bem antes de Star Wars ser comprado pela Disney, um dos magos do roteiro, nosso conhecido Lawrence Kasdan, havia consultado o master creator George Lucas e a produtora Kathleen Kennedy com uma história cheia de potencial que envolvia nosso bandoleiro Han Solo. A história estava até então estacionada e saiu do anonimato quando anunciaram que em meio aos filmes numerais, teria sempre algum spin off, ficando nítido assim que haveria um filme para a nova geração e um filme para a velha geração. 
Das poucas informações que saíam sobre Solo, lembro-me que sempre questionei o quanto esses filmes estavam servindo de palco para jovens diretores entrarem pro mainstream de obras colossais. Nomes como Gareth Edwards, Ryan Johnson, Colin Trevorrow e a dupla Phil Lord e Christopher Miller.
Aos poucos, alguns nomes caíram e outros foram desligados do projeto, para um reenquadramento do filme no padrão Lucasfilm.
 
Garreth Edwards saiu de Rogue One quando alertaram da refação dos 40% do filme, porém com pouco clima de incêndio quando chegaram os suportes de Tony Gilroy. Ryan Johnson agradou tanto a Lucasfilm com sua forma de operação e realização que ganhou uma trilogia para tomar conta. Colin Trevorrow foi desligado do nono filme por incompatibilidade criativa, e logo mais a dupla Lord e Miller, de Solo. Bastou esses dois últimos serem desligados e os famosos tablóides (jornais de fofoca), geralmente mau intencionados, começaram uma campanha negativa ao filme,  com várias histórias equivocadas como “Disney não confia em Solo”, ou até mesmo difamando um ator novato contando histórias de que ele precisava de escola de atuação.
Oras, se somos fãs de cinema e de cultura pop, cabe a nós procurarmos saber as propostas criativas de quem saiu e de quem entra. A dupla de “Lego, o filme” tinham predisposição para rodar Solo como um filme cheio, recheado, capaz que totalmente imerso em piadas, detalhe este que tornou a produtora Kath Kennedy descontente, desligando-os da produção e chamando uma figura altamente gabaritada pra um projeto desses: Ron Howard. Este sim estava embalado com excelentes opções de blockbuster, como Frost/Nixon, Rush no Limite da Velocidade, e da trilogia do Código Da Vinci, e claro, por ser um diretor amigo de George Lucas e Lawrence Kasdan. Foi tiro certeiro num diretor que chegasse com tempo pra por ordem no filme.
Sobre o ator Alden Ehrenreich, não cabe a nós julgarmos o filme antes de vê-lo, mas cabe a nós ver como um ator novato se saiu aos cuidados de diretores renomados do cinema como Francis Ford Coppola (Tetro, de 2009), Woody Allen (Blue Jasmine, de 2013) e os Irmãos Coen (Ave Cesar, de 2016). Aí sim poderemos dizer se o cara atua bem ou não.
 
Montado o painel de compreensão de produção, entramos aqui no mérito de algo que nunca foi o forte de Star Wars, mas notamos uma grande melhoria nas atuações. Bons rostos, excelentes atuações tem tomado conta dos filmes da saga. Aqui nem tem como ser diferente mesmo sendo um filme de Low Budget. O ator novato é algo de comum nos filmes de Star Wars. Atores experientes como Woddy Harrelson e Paul Bettany, o resto do suporte do corpo ficou com Thandie Newton, Emilia Clarke que já era musa nerd e vozes de Anthony Daniels e John Favreau. Até que temos um elenco bem simpático pra um filme.
O filme poderia até contar com um apoio midiático de quem ha poucos dias antes, balançou o mercado com um clipe polêmico, Donald Glover, ou seu pseudônimo musical Childish Gambino, lançou o clipe “This is America” que com uma forma ácida de retratar os americanos, caiu na boca do povo com um belíssimo videoclipe e acreditamos que se Alden brilhar como ator, terá em seu parceiro de Falcon Millenium, Lando Calrissian, a dificuldade de não passar despercebido.
 
E saíram poucas informações sobre o filme pra fazer com que o espectador/consumidor saiba onde está pisando, e sem medo de spoiler (já que muita coisa é entendida de forma errada como spoiler). O filme trata de uma história de roubo de carga, disse-nos Ron Howard. O que se encaixa ao redor de um grande roubo de carga? Vamos lembrar grandes filmes que poderiam estar rodeados de micro plots ao redor da narrativa principal.
Na história do cinema, Edwin Porter, um dos pais das narrativas paralelas (duas histórias sendo contadas ao mesmo tempo) fez  “O Grande roubo do trem” e agora, com Han Solo, teremos pequenas histórias interessantes pra rodear este grande roubo de carga: As corridas de Kessel, como surge uma das amizades mais antigas da história do cinema (Han Solo e Chewie), e a tão falada partida de Sabacc.
 
 
Acredito que nossas esperanças para Han Solo podem ser surpreendidas, e quem sabe essa baixa expectativa que o público geriu pro filme possa trazer agradáveis surpresas e faça a frase “Uma história Star Wars” ter muito mais sentido em sua proposta.
 
#VemdeSolo que nossas visões estreitas poderão alcançar uma nova maneira de enxergar a saga, onde aprenderemos a não exigir que os filmes sejam uma obra prima, mas prezem por cumprir o papel de qualquer fábula: sonhar por alguns instantes dentro daqueles planetas, naves e personagens adoráveis aos quais nos apegamos tanto.
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Vebis Jr é mestre em cinema, professor na Anhembi Morumbi, pesquisador,
diretor de curtas e clipes, crítico da Sociedade Jedi e mandaloriano de coração!
 

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